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sexta-feira, 15 de julho de 2011

“Não chore pelas coisas terem terminado, sorria por elas terem existido” (L. E. Boudakian)



1. Carlos estava no seu quarto, no seu silêncio diário, onde tinha decido ficar. Queria o silêncio, longe de qualquer barulho. Ao início até o sino, quando tocava, incomodava-lhe. Almoçava e jantava em silêncio, quando alguém lhe entregava a bandeja. Ficava na cama até tarde e ia para a cama antes do pôr-do-sol. Durante o dia, quando lhe apetecia, abria um ou outro livro que alguém tinha emprestado, para ajudar a passar melhor o seu tempo. Agora, passado meses, Carlos decidiu sair. Voltar outra vez para o barulho que o importunava. Voltar outra vez para as multidões que o atropelavam. Voltar outra vez para a inundação de notícias e trabalho que acompanhavam a sua vida. Chega de descanso! Que volte o stress! Poderia voltar à solidão quando sentisse, de novo, a necessidade.

2. Joana tinha três anos e tinha já uma colecção de carrinhos de brincar. Os pais, porque queriam ter um menino e porque não queriam que a feminilidade e a sexualidade minoritária se apoderasse dela, ofereciam-lhe carrinhos de brincar, em vez de bonecas, como se oferecem a todas as meninas da sua idade. Quando Joana entrou para a escola infantil, ela era a menina-rapaz da escola e jogava à bola e aos carrinhos com os rapazes e nunca jogava às bonecas com as meninas, o que as deixavam confusas e a pensar o porquê daquela situação. Foi estranho, e ao mesmo tempo interessante, a disposição que os pais viram em Joana, numa noite depois do jantar. Viram Joana com o seu carrinho preferido a dar-lhe festinhas e a fazer carinhos e dar-lhe beijinhos e a chamar-lhe «meu querido!».

3. - Senhor Armindo, você está sempre contente. Eu, só de pensar no que me aconteceu no ontem passado, não consigo ficar contente. Pelo contrário, a vida foi difícil demais para mim para poder ficar tão contente como o senhor Armindo.
- Pois é, senhor Armindo. Todos os dias vejo-o contente. Eu, só de pensar no que o futuro me reserva, não consigo ficar contente. Pelo contrário, o mistério que é o amanhã deixa-me nervoso e só consigo pensar que vai ser muito pior o futuro do que foi o passado e não consigo estar tão contente como o senhor Armindo.
- Ora meus senhores. Isso é porque estão demasiado apoderados ao ontem e ao amanhã. O ontem é passado, é história e não pode voltar atrás, já está feito, está arrumado. O amanhã é futuro e por isso é mistério e o que tiver de acontecer, acontecerá. Façam como eu. Eu só vivo para o dia de hoje, pois o hoje é uma dádiva. O dia de hoje chama-se presente, pois é um presente que a vida nos oferece.

4. Estava no terceiro lugar da fila do balcão na farmácia. Passavam já vinte minutos desde que entrei e a fila manteve-se inalterável. Tudo por causa de um senhor idoso que queria levar uns medicamentos para a sua mulher acamada, mas não tinha o dinheiro suficiente e o farmacêutico não queria fiar. O pior é que o homem não se decidia, queria levar os medicamentos que necessitava e só faltavam dois euros e cinquenta cêntimos para o resto do pagamento. Por fim, decidi-me emprestar-lhe o dinheiro que faltava. Como só tinha três euros, emprestei-lhe o que o idoso queria e fiquei apenas com cinquenta cêntimos. Não podia comprar o queria na farmácia, mas como também não era importante decidi deixar a compra para amanhã. Quando saí da farmácia fui gastar a minha última moeda numa raspadinha na livraria ao lado. Ganhei cinquenta euros. 

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